A lua está quebrada


e o céu está rachado


Suba para dentro da CASA

12/30/2008

Trilogia Rain Dogs / Anywhere I lay my Head

Rain_Dogs_



Anywhere I lay my head


1


Minha cabeça gira sem parar

Eu tenho meu coração dentro dos sapatos [1]

Eu sentei e ateei fogo no rio Tamisa [2]

Agora eu tenho que descer

2


Ela está rindo de dentro da manga da camisa
Caras, eu posso sentir em meus ossos.

Oh mas em qualquer lugar, qualquer lugar aonde eu deite minha cabeça

Eu vou chamar de casa.

3

Bem, eu vejo que o mundo está de cabeça pra baixo
Parece que os meus bolsos foram enchidos de ouro
E as nuvens cobriram tudo.
E o vento está soprando, gelado


4



Bem, eu não preciso de ninguém mais

Por que aprendi, eu aprendi a ficar sozinho. E eu digo:

Em qualquer lugar, qualquer lugar, qualquer lugar aonde eu repouse minha cabeça...
Eu vou, enfim, estar em casa.



(dança do final)

observações de Victor Galdino:
[1] - expressão para: "estou com muito medo"
[2]- fazer algo grandioso; Tamisa (Thames) é um rio da Inglaterra - quer dizer, o cara coloca fogo num rio.

0

A voz: caótica, rouca, com variações indescritíveis de volume e tom, é a interpretação perfeita para o bêbado existencial que descobre sua autenticidade na relação à distancia com a Casa. É um fim realmente emocionante para o album. Tive que escutá-lo na íntegra mais uma vez para poder ouvir a música.

1

O Rain Dog bebeu demais e "quase" perdeu a consciência. Ele sabe que precisa ficar sóbrio. A Casa fictícia trazida pelo álcool está começando a evaporar. Ele precisa descer do sonho.

2

Ler o 4.

3

O mundo está de cabeça pra baixo, está invertido, insano, perdeu seu sentido, é claro, só assim para haver ouro no bolso de um Rain Dog. Mas não é só isso. Não há ouro de verdade nos bolsos dele, mas é como se fosse. Se houvesse ouro no bolso de alguém, possivelmente ele estaria feliz. Ouro não há, mas há essa felicidade. E para isso, para este sentimento, não foi necessário ouro, nem sol, nem um vento quente e amenizador.

4

O Rain Dog aprendeu que a Casa é uma instituição individual. Ele não precisa de ninguém para estar em casa. Mas ele não está na Casa. O refrão diz que em qualquer lugar aonde ele repousar, ele vai estar em casa. Quer dizer, fora de casa, como sempre, mas em um estado de paz. Em qualquer lugar ele está em casa, quer dizer, ele não tem uma casa, a casa dele é tudo o que ele deita, a casa é ele mesmo. O sentido metafísico disso é um só: a casa transcende todos os entes do mundo. Não depende de espaço e tempo (no sentido da Física) para dormir em casa, na Casa, para se sentir em Casa,quer dizer, ter a estabilidade deseja do eu e a supressão do desespero de não ter casa. Não é um sentimento de total completude. "Rain Dogs" não foi o último álbum de Waits. Mas sabe-se, aqui, ao menos, algo que não se sabia antes. Foi aprendido algo, que é a condição individual que a Casa exige. O Rain Dog que vive enchendo a cara com as pessoas que ele conhece pelas ruas descobre na solidão do repouso (deitar a cabeça) a oportunidade de se comunicar com esse espaço talvez sagrado, talvez transcendental, da Casa. Ele se comunica com a Casa, assume sua condição, torna sua expressão mais autêntica, mais singular, a análise existencial subjetiva e volta a encher a cara e se divertir com os outros Rain Dogs. Mas ele sabe que não precisa disso para ser ele mesmo. Ele pode "morrer" para o mundo, para o "outro" e assim fazer as contas e ver o que sobrou disso. O que sobra é o Ser.


Apêndice: Scarlett Johansson



Eu me surpreendi quando soube que ela havia feito um album só com músicas do Tom Waits (excetuando uma, que se não me engano é dela). O álbum dela tem um conceito bem diferente do de "Rain Dogs". "Anywhere..." é a única música do RainDogs presente.



A Abertura com "Fawn", uma música instrumental de "Alice", de 2002, foi pra mim a melhor música do disco. Tudo muito alto, muitos instrumentos, tão alto e ao mesmo tempo que tudo se perde. No meio da faixa, tudo parece desconexo. Um efeito impressionante.



Alguns contrastes: A capa de Johansson mostra a moça deitada, muita calma, em uma floresta, algo bem tranquilo. Talvez até algo como a morte... "Who are you" trata do suicídio e "I don't wanna grow up" só pelo título já revela seu carater fatalista. Enfim... A capa do disco de Tom Waits mostra um outro repouso, não tranquilo, mas caótico, bêbado, deficiente. O choro, o riso, a loucura... Bem diferente da serenidade de Johansson. "Anywhere i lay my head" é uma música sobre uma grande mudança, um aprendizado, algo que radicalmente coloca o indivíduo em correspondencia consigo mesmo. Johansson fez disso seu mote, mas de uma maneira diferente. No disco dela, a serenidade é próxima a calmaria da morte. Realmente,mas transcendental e definitiva que a conclusão de "Rain Dogs". Mas notemos que a maioria das canções do disco dela são de albuns recentes de Tom Waits, após Rain Dogs. O carater é muito mais transcendental, no sentido da fatídica "Come on up to the House", que em "Rain Dogs".



Na canção, Waits canta com loucura, extase, paixão. Johansson, uma cantora sem muita habilidade, procura fazer exatamente aquilo que Waits procura não fazer na sua gravação: somente cantar com regularidade, no tom. Sua voz é meio morna, sem nada de muito elevado, e isso a torna um experimento interessante.



Isso me leva a outro ponto. No filme "Vicky Cristina Barcelona" Johansson interpreta uma moça que sempre está tentando fazer algo de carater artístico, sem nunca obter algo de muita qualidade. Ela não tem "talento" para nada. Seu mote é : "Eu não sei o que quero mas sei o que não quero". Acho que Scarlett Johansson é essa mulher. Woddy Allen talvez seja o único que a entendeu. O papel dela em "Match Point" também é o de uma mulher que está "no meio", ela não está resolvida, ela não sabe muito bem onde está e o que esperam dela. Acho que a serenidade do seu album de estreia é isso: tal qual o Rain Dog, Johansson está no entre, em um limite. Holywood não é sua Casa. Ela superou seu "mundo", se pos a caminho de uma outra resolução, um outro destino, que se dá pela questão coloca-da em "Anywhere I Lay my Head".


8 comentários:

galdino disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
galdino disse...

Algumas coisas que tenho a dizer:

1) my heart is in my shoes = estou com muito medo

2) set the Thames on fire = fazer algo grandioso e entrar para a história (realmente seria algo grandioso colocar fogo em um rio)

3) Que tem a ver "Who are you" com suicídio??

4) ele não diz que vai ligar pra casa (até porque, ele mesmo diz que não tem uma), mas que vai chamar qualquer lugar em que possa encostar a cabeça de lar. Inverta a frase e você vai perceber: I'm gonna call my home anywhere I'm gonna lay my head (chamarei de meu lar qualquer lugar em que deitarei minha cabeça). Dizer que ele vai ligar pra casa nem mesmo combina com o resto da música ("Well I don't need anybody, because I learned... to be alone").

5) Tem muita roupa na Johansson. Você me decepciona.

Mas, apesar desses comentários, não se preocupe, sempre sobra o Ser.

Filipe Völz disse...

1) aceito
2) aceito
3) nego. "Are you still jumping out of windows in expensive clothes?" - "Time's not your friend" (tempo x eternidade [morte]) - "Take them back to your red house,For that fearful leap into the dark"; minha tese é que a mulher morreu. Who are you, agora que está morta?
4) vc nao entendeu o sentido pq só leu essa parte da trilogia, infame mouro. "Casa" é uma instancia metafísica do sujeito. E essa casa é como aquela de "Come on up to the House" - ela não está neste mundo. Afirmar que vai chamar qualquer lugar de casa quer dizer que ele só precisa dele mesmo para ter uma Casa - por que esta casa não é do mundo, ela é da alma, e do sujeito. Sacou? Eu precisaria ter um "In anywhere i lay my.." para ser o sentido que eu queria? Se fosse "i gonna call it my home" eu teria interpretado nesse sentido. Enfim, eu aceito e modifico para esta tradução, é até melhor. Releia por favor.
5) mermão, este é um blog heideggeriano-cristão!

você nao vai mais traduzir nada não?

galdino disse...

3) É, faz sentido. Concordo com sua interpretação.

4) Sim, entendi o sentido. E também li o resto. Aliás, não disse nada sobre o conceito de casa, mas sobre a tradução de "call my home". E, sim... acho que se tivesse o "in" no começo, teria que ser "Call my home" no sentido de ligar pra casa mesmo. Não é possível colocar o "it" na frase, pois o que ele vai chamar de casa é "anywhere I'm gonna lay my head". "It" seria uma substituição pra tudo isso.


O site da revista está consumindo boa parte do meu tempo e da minha mente... e tenho um monte de coisa pra ler e estudar. Mas vou procurar alguma música pra traduzir, pode deixar.

Filipe Völz disse...

é, eu também ando estudando bastante... traduzir tom waits é parte do meu estudo.

Obrigado pelas contribuicões aí. Alterei o texto da tradução.

Quem foi que comentou e depois apagou, hein? Eu vejo tudo aqui! Quem foi? ah!

galdino disse...

Haha, fui eu quem comentou e apagou. È que ficou faltando uma parte do comentário. Ah, o "set" que você traduziu por "defini", significa "colocar", na verdade. Set something on fire = colocar fogo em algo.

Filipe Völz disse...

ok, mudei

Byra Dorneles disse...

foda das fodas! amei tudo...os comentarios de quem sabe e com humildade e cinismo pros acertos kkkkk....demias! Mas so vi agora em 2022!
Byra Dorneles