A lua está quebrada


e o céu está rachado


Suba para dentro da CASA

3/04/2010

That Feel

(Tom Waits/Keith Richards)


Bem, tem uma coisa que você não pode perder
E é essa sensação...
Suas calças, sua camisa, seus sapatos... Mas não essa sensação.
Você pode jogá-la na chuva
Você pode açoitá-la como um cão
Você pode derrubá-la como uma velha árvore morta

Você sempre pode vê-la
Quando você está entrando na cidade
Uma vez que você prende isso na parede
Você nunca pode retirar
Mas há uma coisa que você não pode perder
E é essa sensação

Você pode empenhar seu relógio ou sua jóia
Mas não essa sensação
Ela sempre vem e te encontra
Sempre escuta quando você chora

Eu tratei da minha perna de pau
e jurei sobre o meu olho de vidro

Ela nunca deixará você ébrio ou árido
É difícil se libertar dessas tatuagens
Mas há uma coisa que você não pode fazer
E é perder essa sensação
Você pode jogá-la de uma ponte
Você pode jogá-la no fogo
Você pode deixá-la no altar
Mas isso fará de você um mentiroso
Você pode cair na rua
Voce pode pode desampará-la

Bem, você diz que isso é o evangelho
Mas eu sei que é só a igreja
E há uma coisa que você não pode perder
E é essa sensação
Essa Sensação.

2/09/2010

Way Down In The Hole / Jesus Gonna Be Here

Way down in The Hole

Quando você anda pelo jardim 
É melhor você olhar a sua retaguarda
Eu te peço perdão 
Ande o reto e estreito caminho
Se você andar com Jesus
Ele vai salvar a sua alma.
Você precisa manter o Diabo
Lá embaixo no buraco.

Ele tem o fogo e a fúria 
Sob seu comando
Você não tem que se preocupar
Se você segurar na mão de Jesus
Todos nós estaremos salvos de Satã.
Quando o trovão trovejar
Apenas me ajuda a manter o diabo
Lá embaixo no buraco.

Todos os anjos cantam sobre a espada poderosa de Jesus
e eles te amparam com suas asas.
e te mantem perto do Senhor.
Não dê atenção à tentação
pois as mãos dela são tão gélidas...
Você tem que me ajudar a manter o diabo
Lá embaixo no buraco.


Jesus Gonna Be Here

Bem... Jesus estará aqui, ele estará aqui logo.
Ele irá cobrir-nos com folhas e com um cobertor lunar
Com uma promessa,uma jura e uma canção para minha fronte.
Jesus estará aqui, estará aqui logo.
Eu não farei nada a não ser esperar aqui
Eu não tenho que gritar.
Eu não tenho nenhuma razão ou dúvida
Tenho que me desfazer deste complicado mundo mortal.
Jesus estará aqui, ele estará aqui logo. 
Tenho que manter meus olhos e manté-los bem abertos para
ver o meu Senhor.
Me manter olhando o horizonte esperando uma nova oportunidade.
Posso ouvir Ele descendo a alameda.
E digo: "Celebrizado* seja Vosso Nome"
Por que Jesus estará aqui, estará aqui logo.
Eu tenho que me manter, tenho que me manter crente.
E você que eu tenho sido bom
Exceto por andar bebendo, mas ele sabe que eu vou melhorar,
quando eu deixar esse lugar melhor do que ele era 
quando eu o encontrei.
E Jesus estará aqui, ele estará aqui logo.
Eu sei que meu Jesus estará aqui, ele estará aqui logo.
Eu sei que meu Jesus estará aqui, ele estará aqui logo.



 







Tom Waits, um cristão? Um metafísico-místico-bêbado? Desde o primeiro post eu sabia disso. E nem tinha ouvido ainda essas músicas em a serious way como fiz agora.


Primeiro, temos que mandar e manter o diabo no buraco dele, o inferno. Se vocês estiver andando pelo Jardim do Éden, por exemplo, é bom vocês estar atento, pois a serpente-satanás sempre estará no limite da fé, esperando um momento de desamparo para lhe rogar que aceite a tentação e caminhe pela estrada da desesperança.


Pois é, ele é muito religioso.


Segundo, temos que ter fé que Jesus estará aqui, e logo. O difícil talvez não seja tanto conseguir ter fé, mas ter somente ela. É o que diz Reverendo Waits: não fazer nada a não ser esperar no mesmo lugar, sem gritar e clamar pressa, esperar pelo tempo certo, o tempo da salvação nas mãos de Jesus.


Agora atenção ao asterisco: tomei a liberdade de traduzir a frase original "Hollywood be Thy Name", um trocadilho com "Hallowed be Thy Name que é o nosso "Santificado seja Vosso Nome", por "Celebrizado seja Vosso Nome", que é tem sonoridade parecida com a frase em português e significado adequado, além de também representar uma ligação com a Hollywood citada por Waits.


Waits é ao mesmo tempo um homem religioso, em busca da salvação supra-sensível, e um malandro melancólico de humor negro, ironia bíblica e sarcasmo profano. Uma figura indecidível, como todos os grandes gênios sempre se mostraram. 


E aqui tem todas as músicas (quase) do Tom (pra quem tiver Flash)

Down (esse é um vídeo muito bom, a perfeita junção em Waits do Sagrado e do Profano)

Jesus  (bom vídeo, versão mais rock do que no Bone Machine)
 


http://api.ning.com/files/mOdOVE-o7CxD4YJ6RKUzNNJPlzFIgdufo61BfBXrKlc_/sercristo.jpg



(essa imagem foi de um sarcasmo profano) 

2/08/2010

Chocolate Jesus

"Chocolate Jesus"


Bem... eu não vou à igreja no domingo
não fico de joelhos para rezar
não memorizo os livros da bíblia
eu tenho algo especial... próprio
eu sei que jesus me ama
talvez um pouco mais
eu caio de joelhos todos os domingos
na loja de doces Zerelda Lee


Bem... tem que ser um jesus de chocolate
para fazer com que eu me sinta bem por dentro
tem que ser um jesus de Chocolate
para me manter satisfeito


Bem... eu não quero nenhum Abba Zabba ou Almond Joy
não há nada mais apropriado para este garoto
é a única coisa que consegue me estimular
melhor do que um Cup-o-Gold
olhe, apenas um jesus de Chocolate pode satisfazer minha alma

Quando o clima fica pesado e é whiskey na sombra para você
o melhor é embrulhar seu salvador em papel celofane
ele corre como o Big Muddy, mas tudo bem
é só cobrir com sorvete e terá um belo Parfait

Bem... somente um jesus de Chocolate é suficientemente bom para mim
tem que ser um jesus de Chocolate para fazer com que eu me sinta tão bem por dentro
tem que ser um jesus de Chocolate para me manter satisfeito.


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Correria, lei da oferta e da demanda, aquecimento global, vida. Mas, para um pobre religioso que não possui mais a disposição espiritual necessária para entrar em contato com o que transcende absolutamente este mundo, temos a solução: Ele enviou várias cópias de seu único filho para que pudéssemos saborear o divino em meio ao estresse do trabalho. Ou enquanto as buzinas atormentam nossa alma nos engarrafamentos de pecadores. Os doces mundanos estão ultrapassados. A salvação pode ser desembrulhada ao meio-dia, às dez da noite, nas trincheiras da Guerra Santa. E se sentirem sua falta na missa ou no culto, não há motivos para preocupação; o amor divino derrete na sua boca, no conforto de seu lar, no desconforto de sua vida.

Banalização do sumamente bom? Transformação do sagrado em mercadoria? Talvez... mas é tudo o que realmente queríamos. Sabemos muito bem o que nossas almas decadentes precisam.











Parece heresia, mas é chocolate. Mmmm...

2/19/2009

i never talk to strangers / eu não dou papo pra quem eu não conheço

"Eu não dou papo pra quem eu não conheço"


Peça em uma cena


Escrita por Tom Waits.





CENA


Tom Waits, em um bar em New Orleans. O balcão está sujo e a casa está fechando. Junto dele, o bartender, já querendo ir embora, alguns poucos bêbados solitários, e uma mulher de cabelo loiro tingido sentada na bancada.



TOM


(para o bartender)


Um "Manhatan", fazendo o favor...


(para uma moça do lado)


Você pode me parar se já tiver ouvido isso antes...

Mas me parece que eu te conheço de algum lugar

Talvez eu esteja enganado

Mas... me lembro de você e de alguém por quem você costumava se importar.

Ah, mas isso foi a muito tempo atrás!

Agora, me diga se você acha que eu deveria me apaixonar por aquela fora de linha ali.



MOÇA

Eu não nasci ontem... além disso, eu não dou papo pra quem eu não conheço.

TOM


Bem, eu não era um dos bandidos quando você me conheceu.

Eu só pensei que não haveria problema...
          
                              MOÇA


Ei! Cuide da sua vida! Quem te mandou me encher o saco?

Com essas suas tristíssimas réplicas.

De qualquer jeito, eu não dou papo pra quem eu não conheço.

Sua vida é uma dessas novelinhas furrecas

Essa cidade está cheia de caras como você...

E é claro que você está querendo achar alguém para ocupar o lugar dela.


TOM

E você deve estar lendo minha correspondência

E é amarga assim só por que ele te deixou

E é por isso que está aqui enchendo a cara no bar.

OS DOIS JUNTOS (PENSANDO)

(Só idiotas se apaixonam por perfeitos estranhos...)

MOÇA

Sempre precisa de um estranho para reconhecer outro.

TOM
                                                      
Talvez nós sejamos os sábios agora.

MOÇA

E rodamos tantas vezes...

TOM

Que não notamos que nós eramos...

OS DOIS

também perfeitos estranhos...

E pouco antes de nos encontrarmos... não eramos mais estranhos um pro outro.

Ah, você não parece mas tão idiota agora...




Fim.



Pequeno Comentário: Os dois são estranhos no sentido de não se adequarem ao normal, na relidade, e não simplesmente ao fato de não terem nunca se vistos, estranhos um para o outro. São estranhos em si. 









1/28/2009

The Piano Has Been Drinking (Not Me) (An Evening With Pete King)

"O piano esteve bebendo (e não eu) (uma noite com Pete King*)"




O piano esteve bebendo, minha gravata está dormindo
A banda (de jazz!) voltou para Nova Iorque,
a jukebox precisa mijar
O tapete precisa de um corte de cabelo,
e a luz do holofote parece uma saída da prisão
pois o telefone está sem cigarros, e a varanda está excitada

E o piano esteve bebendo... o piano esteve bebendo, e os menus estão morrendo
de frio
o cara da iluminação é cego de um olho
e não enxerga com o outro
o afinador do piano usa um aparelho auditivo,
ele apareceu com sua mamãe
e o piano esteve bebendo

enquanto o segurança é um lutador de sumô, um Casper Milquetoast** afeminado, o dono do lugar é um anão retardado com o QI de um poste

pois o piano esteve bebendo

E não dá pra achar sua garçonete com um detector de radiação
e ela te odeia, e também odeia seus amigos - mas você não pode ser servido por nenhuma outra!
o caixa está babando, e os banquinhos estão pegando fogo
os jornais estavam mentindo (oh!),
e os cinzeiros se aposentaram
pois o piano esteve bebendo

o piano esteve bebendo, e não eu.


(The Piano Has Been Drinking - Small Change)


*Pete King é um saxofonista inglês. E só. Quem quiser saber mais, consulte o oráculo de Delfos

**personagem tímida e humilde de uma tira publicada em jornal norte-americano (hífen... ou não hífen? Ai meus deuses!), chamada The Timid Soul (a alma tímida). Milquetoast é uma referência a milktoast - torrada com açúcar, leite e manteiga derretida - refeição boa pra crianças, bem fácil de digerir. Também é considerada a refeição dos inválidos, ou daqueles que possuem estômago fraco. Segundo o autor da tira, sua personagem era um homem que falava suavemente e apanhava com um grande porrete. Acho que já deu pra entender a idéia por trás do uso desse nome...



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Agora, assistam o espetáculo triste acompanhado de risadas:
http://br.youtube.com/watch?v=-gwUtEEjZJ8

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Acho que o título já diz o suficiente. Ou talvez não.



Bom, prosseguindo... o cenário é um bar, ou qualquer local que nos permita ouvir jazz e encher o saco da nossa garçonete preferida depois de bêbados. "Bêbados" é a palavra-chave. Todo esse teatro lunático de objetos inanimados ocupados com suas prosopopéias parece ocorrer em um momento de desmontagem - quase de manhã, se for um bar quase decente. A banda já voltou pra casa e a jukebox precisa se livrar do que foi consumido durante a noite. E acabaram os cigarros. Está quase na hora de fechar, e as coisas não realizam mais suas funções - e lá se vai aquele modo de ser que é a manualidade...? Ah, esquece.

Agora, o mais importante - o cantor está bêbado. Não, na verdade, é o piano que está. Mas o piano é o "eu lírico". Os outros objetos, de certa forma, também são. Em alguns momentos, Tom parece querer jogar a responsabilidade toda para o que está a sua volta. Não era ele quem estava bebendo, afinal. Em outros momentos, parece que quer dar vida a todos esses objetos simplesmente por estar terrivelmente solitário. É como ter um amigo imaginário, algo bem normal (eu espero). Talvez o fato de estar solitário seja o motivo para querer trasferir seus problemas para os objetos do local. É o piano que esteve bebendo durante a noite inteira... é o telefone que precisa de cigarros... é o tapete que precisa cortar o cabelo e dar um jeito em sua aparência de indivíduo acabado.

De qualquer forma, o mundo é constituído de meros modos da substância alcóolica única, que seria Tom Waits, e todos esses pobres objetos sem vida e funcionários deformados de um bar estariam nele, e nada fora dele. Aha, uma nova modalidade de delírio, o delírio espinosiano!





As pessoas da música, como o segurança e o afinador do piano, são todos seres bizarros... degenerados, inferiores. Nem mesmo são capazes de desempenhar sua função, devido às suas deformações (um segurança tímido e humilde! Que mundo é esse?!!). Menos a garçonete, é claro. Pelo menos, é o que parece. A garçonete não está contaminada, não pode ser encontrada com um simples detector de radiação. De qualquer forma, ela te odeia, e você depende totalmente dela. Talvez seja a parte mais real desse espetáculo de pianos bêbados e telefones desesperados por cigarros. Mas, vejam, os jornais estão mentindo. Parece que a coisa toda não é tão surreal assim. Talvez seja uma pista!

Ou... talvez seja tudo efeito do álcool (ora, mas não é o álcool que bota a verdade pra fora?? Ou seria somente o pentotato de sódio? Ou aquela poção do Harry Potter?? Oops... fui longe demais). De qualquer forma, não dá pra confiar muito em um piano bêbado. Veja como a voz de Tom Waits e o piano se combinam pra imitar um bêbado cambaleante. Bom, é tudo culpa desse piano bêbado. Eis a solução! Ninguém precisaria interpretar essa música se o piano estivesse sóbrio. O único culpado por esse devaneio é um piano bêbado. E não eu.

12/30/2008

Trilogia Rain Dogs / Anywhere I lay my Head

Rain_Dogs_



Anywhere I lay my head


1


Minha cabeça gira sem parar

Eu tenho meu coração dentro dos sapatos [1]

Eu sentei e ateei fogo no rio Tamisa [2]

Agora eu tenho que descer

2


Ela está rindo de dentro da manga da camisa
Caras, eu posso sentir em meus ossos.

Oh mas em qualquer lugar, qualquer lugar aonde eu deite minha cabeça

Eu vou chamar de casa.

3

Bem, eu vejo que o mundo está de cabeça pra baixo
Parece que os meus bolsos foram enchidos de ouro
E as nuvens cobriram tudo.
E o vento está soprando, gelado


4



Bem, eu não preciso de ninguém mais

Por que aprendi, eu aprendi a ficar sozinho. E eu digo:

Em qualquer lugar, qualquer lugar, qualquer lugar aonde eu repouse minha cabeça...
Eu vou, enfim, estar em casa.



(dança do final)

observações de Victor Galdino:
[1] - expressão para: "estou com muito medo"
[2]- fazer algo grandioso; Tamisa (Thames) é um rio da Inglaterra - quer dizer, o cara coloca fogo num rio.

0

A voz: caótica, rouca, com variações indescritíveis de volume e tom, é a interpretação perfeita para o bêbado existencial que descobre sua autenticidade na relação à distancia com a Casa. É um fim realmente emocionante para o album. Tive que escutá-lo na íntegra mais uma vez para poder ouvir a música.

1

O Rain Dog bebeu demais e "quase" perdeu a consciência. Ele sabe que precisa ficar sóbrio. A Casa fictícia trazida pelo álcool está começando a evaporar. Ele precisa descer do sonho.

2

Ler o 4.

3

O mundo está de cabeça pra baixo, está invertido, insano, perdeu seu sentido, é claro, só assim para haver ouro no bolso de um Rain Dog. Mas não é só isso. Não há ouro de verdade nos bolsos dele, mas é como se fosse. Se houvesse ouro no bolso de alguém, possivelmente ele estaria feliz. Ouro não há, mas há essa felicidade. E para isso, para este sentimento, não foi necessário ouro, nem sol, nem um vento quente e amenizador.

4

O Rain Dog aprendeu que a Casa é uma instituição individual. Ele não precisa de ninguém para estar em casa. Mas ele não está na Casa. O refrão diz que em qualquer lugar aonde ele repousar, ele vai estar em casa. Quer dizer, fora de casa, como sempre, mas em um estado de paz. Em qualquer lugar ele está em casa, quer dizer, ele não tem uma casa, a casa dele é tudo o que ele deita, a casa é ele mesmo. O sentido metafísico disso é um só: a casa transcende todos os entes do mundo. Não depende de espaço e tempo (no sentido da Física) para dormir em casa, na Casa, para se sentir em Casa,quer dizer, ter a estabilidade deseja do eu e a supressão do desespero de não ter casa. Não é um sentimento de total completude. "Rain Dogs" não foi o último álbum de Waits. Mas sabe-se, aqui, ao menos, algo que não se sabia antes. Foi aprendido algo, que é a condição individual que a Casa exige. O Rain Dog que vive enchendo a cara com as pessoas que ele conhece pelas ruas descobre na solidão do repouso (deitar a cabeça) a oportunidade de se comunicar com esse espaço talvez sagrado, talvez transcendental, da Casa. Ele se comunica com a Casa, assume sua condição, torna sua expressão mais autêntica, mais singular, a análise existencial subjetiva e volta a encher a cara e se divertir com os outros Rain Dogs. Mas ele sabe que não precisa disso para ser ele mesmo. Ele pode "morrer" para o mundo, para o "outro" e assim fazer as contas e ver o que sobrou disso. O que sobra é o Ser.


Apêndice: Scarlett Johansson



Eu me surpreendi quando soube que ela havia feito um album só com músicas do Tom Waits (excetuando uma, que se não me engano é dela). O álbum dela tem um conceito bem diferente do de "Rain Dogs". "Anywhere..." é a única música do RainDogs presente.



A Abertura com "Fawn", uma música instrumental de "Alice", de 2002, foi pra mim a melhor música do disco. Tudo muito alto, muitos instrumentos, tão alto e ao mesmo tempo que tudo se perde. No meio da faixa, tudo parece desconexo. Um efeito impressionante.



Alguns contrastes: A capa de Johansson mostra a moça deitada, muita calma, em uma floresta, algo bem tranquilo. Talvez até algo como a morte... "Who are you" trata do suicídio e "I don't wanna grow up" só pelo título já revela seu carater fatalista. Enfim... A capa do disco de Tom Waits mostra um outro repouso, não tranquilo, mas caótico, bêbado, deficiente. O choro, o riso, a loucura... Bem diferente da serenidade de Johansson. "Anywhere i lay my head" é uma música sobre uma grande mudança, um aprendizado, algo que radicalmente coloca o indivíduo em correspondencia consigo mesmo. Johansson fez disso seu mote, mas de uma maneira diferente. No disco dela, a serenidade é próxima a calmaria da morte. Realmente,mas transcendental e definitiva que a conclusão de "Rain Dogs". Mas notemos que a maioria das canções do disco dela são de albuns recentes de Tom Waits, após Rain Dogs. O carater é muito mais transcendental, no sentido da fatídica "Come on up to the House", que em "Rain Dogs".



Na canção, Waits canta com loucura, extase, paixão. Johansson, uma cantora sem muita habilidade, procura fazer exatamente aquilo que Waits procura não fazer na sua gravação: somente cantar com regularidade, no tom. Sua voz é meio morna, sem nada de muito elevado, e isso a torna um experimento interessante.



Isso me leva a outro ponto. No filme "Vicky Cristina Barcelona" Johansson interpreta uma moça que sempre está tentando fazer algo de carater artístico, sem nunca obter algo de muita qualidade. Ela não tem "talento" para nada. Seu mote é : "Eu não sei o que quero mas sei o que não quero". Acho que Scarlett Johansson é essa mulher. Woddy Allen talvez seja o único que a entendeu. O papel dela em "Match Point" também é o de uma mulher que está "no meio", ela não está resolvida, ela não sabe muito bem onde está e o que esperam dela. Acho que a serenidade do seu album de estreia é isso: tal qual o Rain Dog, Johansson está no entre, em um limite. Holywood não é sua Casa. Ela superou seu "mundo", se pos a caminho de uma outra resolução, um outro destino, que se dá pela questão coloca-da em "Anywhere I Lay my Head".


12/18/2008

Trilogia Rain Dogs / Rain Dogs

Rain_Dogs_



Dentro de um relógio quebrado


Espirrando o vinho... Com todos esses Cachorros da chuva
Táxi... Preferimos ir a pé.


Acotovelar-se em um porto com esse cães
Sou um cachorro da chuva também!



Ah.. como dançamos e engolimos a noite!

Tudo foi muito maduro para um sonho
Ah, como dançamos



Todas as luzes


Nós sempre perdemos a consciência.



O Rum derramado, forte e magro




Expulse o gari daqui



Com os cachorros da chuva



Á bordo de um comboio naufrágo


Dê o meu guarda-chuva para um dos cachorros


Ah, como nós dançamos com a Rose de Tralee



Seus longos cabelos, negros como um corvo



Ah, como nós dançamos.. E então você me sussurou:



"Você nunca vai voltar para a Casa".







- Entrevista e confete na cabeça, cantando "Tango till the're sore"

http://www.youtube.com/watch?v=fKSIDg_cn8I

- Show

http://www.youtube.com/watch?v=qVaEPx_VyXs&feature=related



1


Cachorro da Chuva. Para ser bem direto, o Rain Dog de Waits, que vou manter a maior parte do tempo no termo original do ingles, é o oposto ao "Palluka" de que Waits fala em algumas músicas. No último post deixei clara a posição anti-niilista de Waits, mas tenho que admitir que não há pior termo. Eu fui bem Nietzschiano e não queria ter sido, e agora por me ressentir com isso caminho no caminho certo. Lembrar: no primeiro post, "Come on up to the house" eu fui, nos comentários, respondendo a um discreto e amável anônimo, contrário a tal afirmação aristocrática (trágica) da vida. Inclusive alimentei a boa idéia do ressentimento. E é isso que quero retomar.



2



Rain Dog x Palluka. Esqueçam o niilista. O Rain Dog tem seus ressentimentos e os mantém. Ele é fraco e se esconde na bebida, nos cigarros, no que tiver. A dor é muito grande para um homem contê-la sozinho, e mais ainda para que possa afirmá-la depois que ela se for. Não existem superhomens. Existem Pallukas e Cachorros da chuva entre aqueles que não estão na Casa, ou melhor, entre aqueles que estão no Limiete, na beira, na marginalidade. Ambos são doentes da vida. Talvez doentes de tanta vida, eles são boêmios e vagabundos, são vadios, cães sem muito para gastar nas altas apostas que fazem. Os Cachorros da Chuva tem confete na cabeça. Eles se divertem juntos e honram as pessoas com quem estão. Eles se juntam nos grandes temporais e bebem e enlouquecem juntos. Por que? Por que assim podem chegar mais perto da Casa, de uma familiaridade com as coisas e, principalmente, uma familiaridade com o ente que corresponde ao seu ser, o outro. O Palluka se isola em sua dor, e morre sozinho. A força, em Tom Waits, que mede fracos e fortes, é a distancia da Casa. É uma casa não-física, uma casa metafísica. A familiaridade é a própria Casa, a felicidade e o lidar sem angústia são caracteres desta Casa como modo de ser. A força, assim, fez de uns fracos, os Pallukas, desorientados da Casa por se isolarem longe de qualquer comum-unidade, e uns fortes, os Rain Dogs.

3



No post passado eu disse: os que estão fora da casa ou estão sóbrios ou bêbados. os Rain Dogs se mantém entre esses dois estados, seja apaziguando temporariamente a dor para conseguir perpetuar a existencia e assim persistir a busca pela Casa (bêbados) ou buscando efetivamente a Casa e sofrendo enquanto isso (sóbrio). Os Pallukas ou estao muito bêbados ou estão sóbrios, eles não transitam direito entre um lado ou outro. Assim, aquele mamado que fica maluco e fala sozinho 24 horas por dia é um maldito Palluka. De mesmo modo, o mendigo cristão que cisma em não beber e vive se lamuriando, carrancudo e desdenhoso, este é um Palluka do mesmo modo.

4



Rain Dogs e Pallukas não são raças ou espécies: são modos de ser, as coisas aqui são sempre modos de ser. Sendo assim, estar levando bem a sua condição é ser um Rain Dog. Estar levando mal é ser um Palluka. Não há maniqueísmo,desta forma.



5



Todo mundo quer a Casa, a sua casa. O Palluka está longe de consegui-la, longe exatamente por que ele quer a casa. Todo mundo quer a Casa. Ser Palluka é ruim por que é mais dificil conhecer a casa e alcança-la se vivemos nos lamuriando sem nada procurar, enquanto sóbrios, por que a dor de estar sóbrio nos nubla a consciencia, ou por que vivemos em uma casa falsa, se bêbados, e nossa felicidade se esgota facilmente.



6


Nos concentremos principalmente no conceito de Rain Dog, agora.

"Ah, como dançamos e engolimos a noite!"

O ato de dançar é muito importante. Nietzsche não acreditaria em um Deus que não fosse dançarino.




7

Analisemos um fragmentos de fragmento de Pascal (133, de seus "Pensamentos"), traduzido pelo controverso Pietro Nasseti:

"O Homem é visivelmente feito para pensar. (...)Ora, a ordem do pensamento é começar por si, pelo seu autor e seu fim [sua finalidade]. Pois bem:em que pensa o mundo? Nunca em tais coisas, mas em dançar, em tocar alaúde, em cantar, em fazer versos, em viajar, em tornar-se rei sem cogitar do que significa ser rei e do que significa ser homem."

De uma sagacidade incrível. Pascal era um filósofo das coisas mais medíocres, das questões superficiais e da artificialide. A imaginação, com papel fundamental na condição humana, é o instrumento essencial do homem decifrar o mundo. Seja pela grandeza ou pela pequenez, pela distancia ou proximidade, a percepção humana somente pode lhe dar com o "entre" que se aparece por entre esses extremos, o tudo e o nada. Esse entre é o ser. É aquilo que é. E o ser é miserável, é corrupto e caduco, incapaz de lhe dar com a verdade das coisas, sempre em movimento, em errância, passando de ente à ente, sem se deter, nem querer se deter, em um repouso. Dos tópicos sobre o "divertimento" dos Pensamentos de Pascal foi que tirei este fragmento. Ele serve para dar uma visão interessante, não obstante externa, do que seria o tédio e o cotidiano da condição humana. Sem as distrações, sem a errância que obstrui a análise existencial e a reflexão do sujeito sobre si, a condição humana é jogada na percepção de toda a total falta de sentido de sua existência. O divertimento, a dança, aquilo que nos faz não pensar no infinito fechar-se do mundo enquanto abismo e no absurdo da imaginação que cria nossos heróis, nossos dogmas, nossas cismas, hábitos, costumes, toda a segurança abstrata que nos faz agir, e não chorar. Persistir e não findar. Talvez possa, e seja, um elogio a alienação. Prefiro pensar como a perspicaz noção de que o senso comum não é um instancia separada, inferior, superada, da filosofia e da reflexão racional, mas, sim, que o lidar do ser com o mundo é sempre através desta instância que sempre se relaciona. Nenhuma elocubração abstrata da razão persiste durante mais que um limite de tempo. O limite que o corpo, a vida, a existencia deste pensador suporta. A diversão está sempre balanceia esta reflexão que, como dizia Deleuze, entristece. Mas não apenas balanceia. Não há um momento em que um homem é outro, em que apaga o que foi divertido e adentra na metafísica: a metafísica brota da diversão, e a diversão não é um fazer irracional pura e simplesmente, pelo contrário, por vezes carrega coisas deste outro modo do homem lidar com o mundo. De fato, a dicotomia é totalmente obtusa: estão univocadamente juntas, o pensamento que entristece (o sóbrio que quer a Casa por que não a tem) e o divertimento que enobrece (o ébrio que se sente em casa quando se esquece que não tem a Casa). Mas aqui já abandono Pascal.


8

"Tudo era muito maduro para ser um sonho"


Essa é a condição do Rain Dog: o contato direto com o real. Com "maturidade" Waits quer dizer que o real já aconteceu , que qualquer compreensão do entendimento reflexivo é tardia.O real é maduro, com isso não quer dizer que seja velho, mas que está, sempre, no estado perfeito para ser o que é, que ele sempre é o que é, e já está sendo, e qualquer caminho que a linguagem seguir será relacionado a está imediata realidade. Mesmo o mais teórico, imparcial, o mais imaginário, "sonhador" devaneio que possa ser feito na linguagem, é, por ser "é", claro, real, e tocado pela realidade, e relacional.

9

Então... no fim da música, uma pessoa (uma moçinha fogosa e bêbada em uma acepção otimista, um mouro bronzeado em uma acepção pessimista) sussura no meio da dança (que já abordamos conceitualmente aqui) que

"Você nunca vai voltar pra (C)casa."

Em vez de eu dar estar respostas malfeitas e imediatas, vamos analisar as possibilidades:

1) Ela é uma vadia que quer tornar os homens em Pallukas de merda.

2) Ela é santa, como todas as mulheres que te levam pra Casa, e a negativa é simplesmente a afirmação de quê, na dança dos corpos e do mundo, você já está em casa. O Rain Dog está em Casa.

Claro que nós ficamos com a dois.

10

Por fim: podemos notar que aqui há, nesta canção, o conceito central do Rain Dog, o Cachorro da Chuva, o personagem que Tom Waits quer descrever ao longo de toda a sua obra e que dá o tom, o fio condutor e a estrutura toda deste albúm de 85. Em "Singapore", a tradução anterior, temos um grupo de Rain Dogs em um barco viajando para Cingapura. A capacidade / desejo / destino de buscar a Casa é o que faz o barco ser a Casa naquele momento. Esta capacidade é onde reside a autenticidade do Rain Dog, de tornar o mundo um instrumento para se alcançar a casa. É neste sentido que "Come on up to the House", de 99, expressa uma espécie de transcendência do mundo.


































(feliz ano novo, pallukas!)