A lua está quebrada


e o céu está rachado


Suba para dentro da CASA

12/18/2008

Trilogia Rain Dogs / Rain Dogs

Rain_Dogs_



Dentro de um relógio quebrado


Espirrando o vinho... Com todos esses Cachorros da chuva
Táxi... Preferimos ir a pé.


Acotovelar-se em um porto com esse cães
Sou um cachorro da chuva também!



Ah.. como dançamos e engolimos a noite!

Tudo foi muito maduro para um sonho
Ah, como dançamos



Todas as luzes


Nós sempre perdemos a consciência.



O Rum derramado, forte e magro




Expulse o gari daqui



Com os cachorros da chuva



Á bordo de um comboio naufrágo


Dê o meu guarda-chuva para um dos cachorros


Ah, como nós dançamos com a Rose de Tralee



Seus longos cabelos, negros como um corvo



Ah, como nós dançamos.. E então você me sussurou:



"Você nunca vai voltar para a Casa".







- Entrevista e confete na cabeça, cantando "Tango till the're sore"

http://www.youtube.com/watch?v=fKSIDg_cn8I

- Show

http://www.youtube.com/watch?v=qVaEPx_VyXs&feature=related



1


Cachorro da Chuva. Para ser bem direto, o Rain Dog de Waits, que vou manter a maior parte do tempo no termo original do ingles, é o oposto ao "Palluka" de que Waits fala em algumas músicas. No último post deixei clara a posição anti-niilista de Waits, mas tenho que admitir que não há pior termo. Eu fui bem Nietzschiano e não queria ter sido, e agora por me ressentir com isso caminho no caminho certo. Lembrar: no primeiro post, "Come on up to the house" eu fui, nos comentários, respondendo a um discreto e amável anônimo, contrário a tal afirmação aristocrática (trágica) da vida. Inclusive alimentei a boa idéia do ressentimento. E é isso que quero retomar.



2



Rain Dog x Palluka. Esqueçam o niilista. O Rain Dog tem seus ressentimentos e os mantém. Ele é fraco e se esconde na bebida, nos cigarros, no que tiver. A dor é muito grande para um homem contê-la sozinho, e mais ainda para que possa afirmá-la depois que ela se for. Não existem superhomens. Existem Pallukas e Cachorros da chuva entre aqueles que não estão na Casa, ou melhor, entre aqueles que estão no Limiete, na beira, na marginalidade. Ambos são doentes da vida. Talvez doentes de tanta vida, eles são boêmios e vagabundos, são vadios, cães sem muito para gastar nas altas apostas que fazem. Os Cachorros da Chuva tem confete na cabeça. Eles se divertem juntos e honram as pessoas com quem estão. Eles se juntam nos grandes temporais e bebem e enlouquecem juntos. Por que? Por que assim podem chegar mais perto da Casa, de uma familiaridade com as coisas e, principalmente, uma familiaridade com o ente que corresponde ao seu ser, o outro. O Palluka se isola em sua dor, e morre sozinho. A força, em Tom Waits, que mede fracos e fortes, é a distancia da Casa. É uma casa não-física, uma casa metafísica. A familiaridade é a própria Casa, a felicidade e o lidar sem angústia são caracteres desta Casa como modo de ser. A força, assim, fez de uns fracos, os Pallukas, desorientados da Casa por se isolarem longe de qualquer comum-unidade, e uns fortes, os Rain Dogs.

3



No post passado eu disse: os que estão fora da casa ou estão sóbrios ou bêbados. os Rain Dogs se mantém entre esses dois estados, seja apaziguando temporariamente a dor para conseguir perpetuar a existencia e assim persistir a busca pela Casa (bêbados) ou buscando efetivamente a Casa e sofrendo enquanto isso (sóbrio). Os Pallukas ou estao muito bêbados ou estão sóbrios, eles não transitam direito entre um lado ou outro. Assim, aquele mamado que fica maluco e fala sozinho 24 horas por dia é um maldito Palluka. De mesmo modo, o mendigo cristão que cisma em não beber e vive se lamuriando, carrancudo e desdenhoso, este é um Palluka do mesmo modo.

4



Rain Dogs e Pallukas não são raças ou espécies: são modos de ser, as coisas aqui são sempre modos de ser. Sendo assim, estar levando bem a sua condição é ser um Rain Dog. Estar levando mal é ser um Palluka. Não há maniqueísmo,desta forma.



5



Todo mundo quer a Casa, a sua casa. O Palluka está longe de consegui-la, longe exatamente por que ele quer a casa. Todo mundo quer a Casa. Ser Palluka é ruim por que é mais dificil conhecer a casa e alcança-la se vivemos nos lamuriando sem nada procurar, enquanto sóbrios, por que a dor de estar sóbrio nos nubla a consciencia, ou por que vivemos em uma casa falsa, se bêbados, e nossa felicidade se esgota facilmente.



6


Nos concentremos principalmente no conceito de Rain Dog, agora.

"Ah, como dançamos e engolimos a noite!"

O ato de dançar é muito importante. Nietzsche não acreditaria em um Deus que não fosse dançarino.




7

Analisemos um fragmentos de fragmento de Pascal (133, de seus "Pensamentos"), traduzido pelo controverso Pietro Nasseti:

"O Homem é visivelmente feito para pensar. (...)Ora, a ordem do pensamento é começar por si, pelo seu autor e seu fim [sua finalidade]. Pois bem:em que pensa o mundo? Nunca em tais coisas, mas em dançar, em tocar alaúde, em cantar, em fazer versos, em viajar, em tornar-se rei sem cogitar do que significa ser rei e do que significa ser homem."

De uma sagacidade incrível. Pascal era um filósofo das coisas mais medíocres, das questões superficiais e da artificialide. A imaginação, com papel fundamental na condição humana, é o instrumento essencial do homem decifrar o mundo. Seja pela grandeza ou pela pequenez, pela distancia ou proximidade, a percepção humana somente pode lhe dar com o "entre" que se aparece por entre esses extremos, o tudo e o nada. Esse entre é o ser. É aquilo que é. E o ser é miserável, é corrupto e caduco, incapaz de lhe dar com a verdade das coisas, sempre em movimento, em errância, passando de ente à ente, sem se deter, nem querer se deter, em um repouso. Dos tópicos sobre o "divertimento" dos Pensamentos de Pascal foi que tirei este fragmento. Ele serve para dar uma visão interessante, não obstante externa, do que seria o tédio e o cotidiano da condição humana. Sem as distrações, sem a errância que obstrui a análise existencial e a reflexão do sujeito sobre si, a condição humana é jogada na percepção de toda a total falta de sentido de sua existência. O divertimento, a dança, aquilo que nos faz não pensar no infinito fechar-se do mundo enquanto abismo e no absurdo da imaginação que cria nossos heróis, nossos dogmas, nossas cismas, hábitos, costumes, toda a segurança abstrata que nos faz agir, e não chorar. Persistir e não findar. Talvez possa, e seja, um elogio a alienação. Prefiro pensar como a perspicaz noção de que o senso comum não é um instancia separada, inferior, superada, da filosofia e da reflexão racional, mas, sim, que o lidar do ser com o mundo é sempre através desta instância que sempre se relaciona. Nenhuma elocubração abstrata da razão persiste durante mais que um limite de tempo. O limite que o corpo, a vida, a existencia deste pensador suporta. A diversão está sempre balanceia esta reflexão que, como dizia Deleuze, entristece. Mas não apenas balanceia. Não há um momento em que um homem é outro, em que apaga o que foi divertido e adentra na metafísica: a metafísica brota da diversão, e a diversão não é um fazer irracional pura e simplesmente, pelo contrário, por vezes carrega coisas deste outro modo do homem lidar com o mundo. De fato, a dicotomia é totalmente obtusa: estão univocadamente juntas, o pensamento que entristece (o sóbrio que quer a Casa por que não a tem) e o divertimento que enobrece (o ébrio que se sente em casa quando se esquece que não tem a Casa). Mas aqui já abandono Pascal.


8

"Tudo era muito maduro para ser um sonho"


Essa é a condição do Rain Dog: o contato direto com o real. Com "maturidade" Waits quer dizer que o real já aconteceu , que qualquer compreensão do entendimento reflexivo é tardia.O real é maduro, com isso não quer dizer que seja velho, mas que está, sempre, no estado perfeito para ser o que é, que ele sempre é o que é, e já está sendo, e qualquer caminho que a linguagem seguir será relacionado a está imediata realidade. Mesmo o mais teórico, imparcial, o mais imaginário, "sonhador" devaneio que possa ser feito na linguagem, é, por ser "é", claro, real, e tocado pela realidade, e relacional.

9

Então... no fim da música, uma pessoa (uma moçinha fogosa e bêbada em uma acepção otimista, um mouro bronzeado em uma acepção pessimista) sussura no meio da dança (que já abordamos conceitualmente aqui) que

"Você nunca vai voltar pra (C)casa."

Em vez de eu dar estar respostas malfeitas e imediatas, vamos analisar as possibilidades:

1) Ela é uma vadia que quer tornar os homens em Pallukas de merda.

2) Ela é santa, como todas as mulheres que te levam pra Casa, e a negativa é simplesmente a afirmação de quê, na dança dos corpos e do mundo, você já está em casa. O Rain Dog está em Casa.

Claro que nós ficamos com a dois.

10

Por fim: podemos notar que aqui há, nesta canção, o conceito central do Rain Dog, o Cachorro da Chuva, o personagem que Tom Waits quer descrever ao longo de toda a sua obra e que dá o tom, o fio condutor e a estrutura toda deste albúm de 85. Em "Singapore", a tradução anterior, temos um grupo de Rain Dogs em um barco viajando para Cingapura. A capacidade / desejo / destino de buscar a Casa é o que faz o barco ser a Casa naquele momento. Esta capacidade é onde reside a autenticidade do Rain Dog, de tornar o mundo um instrumento para se alcançar a casa. É neste sentido que "Come on up to the House", de 99, expressa uma espécie de transcendência do mundo.


































(feliz ano novo, pallukas!)






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