"Sujeira ... no chão"
Que importa um sonho de amor, ou de mentiras
Estaremos todos no mesmo lugar quando morrermos
seu espírito vai embora sem conhecer seu rosto ou nome
e o vento soprando através de seus ossos é tudo o que resta
E todos seremos poeira no chão
eu disse que todos seremos sujeira na terra
eu digo que seremos todos apenas adubo no solo...
A pena de um abutre, a palavra é escrita com sangue
eu quero saber, se sou o céu ou o pássaro
pois o inferno está transbordando e o paraíso está lotado
estamos acorrentados ao mundo e temos que prosseguir
E o assassino sorria com nervos de pedra
subiu as escadas e a forca rangiu
Os corações todos batiam,
eles estavam pulsando, todos vermelhos
Seremos todos excremento no chão
E Caim matou Abel, matou com uma pedra
ao longo de um rio de carne,
será que esses ossos secos podem viver??
Um rei ou um mendigo, a resposta que eles darão será:
Seremos todos poeira no solo
[ http://www.youtube.com/watch?v=jm3LEmFFj2g ]
Mendigo, rei, carrasco, executado - só um impulso egoísta nascido do enganador princípio individualizador, que nos retira do caos do mundo sob a proteção apolínea, é que poderia impedir-nos de ver que são todos feitos da mesma coisa, e nenhum destino seria mais justo do que essa mesma coisa espalhada pela multiplicidade dos fenômenos voltar a se encontrar na unidade - a unidade da poeira, da sujeira, de tudo que resta quando não há mais consciência. Onde o torturador e o torturado não conseguem mais se diferenciar.
Hmmm... isso nos leva a um estranho passeio pela sabedoria dos Upanixades... (segundo a interpretação da escola Advaita): o terceiro dos grandes discursos (Mahāvākyas) diz: isto és tu ("tat tvam asi"). Ou seja, tudo aquilo que é visto é o mesmo que aquele que vê. O observador consciente, o si mesmo dele, não é separado de todo o resto, muito menos da realidade última e suprema por trás de tudo (Brahman é consciência, o observador consciente é Brahman, logo, somos todos Brahman). Só uma certa ignorância levaria o "eu" a separar-se do "outro". Mas talvez essa interpretação não seja tão adequada... não acho que Tom Waits enxergava alguma divindade nessa coisa toda. Seremos todos poeira no solo, porque é o que sempre fomos, mas não me parece existir nada de religioso por trás dessa "descoberta". Talvez possamos usar isso para elevar-nos ao patamar dos deuses. Ou podemos simplesmente admitir a essência una por trás de toda a multiplicidade de fenômenos, como Schopenhauer fez ao colocar a Vontade como essência última do mundo, sem nenhuma pretensão de transformar o homem num deus (ou teriam os deuses sido transformados em homens pelos mestres hinduístas? Ou nenhuma das respostas anteriores??), mas apenas constatando o trágico fato de que todos fazem parte da mesma coisa, e dela são igualmente escravos destinados a eternamente querer. Ou, o que me parece mais adequado aqui, podemos ver esse destino comum a todos do ponto de vista materialista, que é meio sem criatividade, mas também serve. Esqueceremos os hinduístas, Schopenhauer, e todo o resto - pois tudo é matéria, e adubo também é matéria.
Mas... hmm... o espírito vai embora sem conhecer rosto ou nome. Isso não é mais materialismo.
De qualquer forma, algumas pessoas acham que terão um destino diferente, que serão algo mais que simples partículas de poeira rolando infinitamente no chão do mundo. É preciso um carrasco pra dizer a verdade terrível (e ao mesmo tempo tranquila) para a multidão irracional que assiste o enforcamento. Nem os que viraram estátuas poderão escapar da decomposição. E os santos só adiaram um pouco o destino de sua porção terrena (até onde se sabe, a única existente fora do campo descontrolado da especulação... será?). Até Aquiles virou pó. Só dentro de nossas cabeças iludidas os ossos dele continuam dançando em torno dos troianos despedaçados. E não há para onde ir... estamos presos no mundo. O céu já está cheio... e o inferno também. Muita gente já foi mandada pra ambos. Talvez não haja mesmo lugar pra onde ir depois da morte. O sentimento de falta de um lar não fica presa à vida finita material. Apatria absoluta!
É, acho que já falei demais. Mas se temos de falar na igualdade diante da morte, lembremos Horácio, cujas palavras exatas eu não me lembro: "A pálida Morte bate imparcialmente nas cabanas dos pobres e nos palácios dos reis".
3 comentários:
rolando... no chão.
Essa música é de que album? Em Come on Up to the house ele já é velho sábio, existe uma "casa" que não está nesse mundo e que é o verdadeiro lar dele. Coé. Aqui ele é um materialista, "somos só..apenas...", mas ao mesmo tempo uma grande prepotência de dizer isso, e depois ele já vê que, mesmo com o desesperador da vida frente ao absoluto, o homem pode ter sua casa e seu lugar, mesmo que enquanto promessa. Virou kierkegariano (forçei a barrra)
é do Bone Machine...
Sim, sim, um pouco materialista... mas talvez nem tanto
a casa metafísica dele parece estar em processo de construção... em outra música desse álbum ele repete esse negócio do céu estar cheio. É como se já soubesse pelo menos onde não está seu lar
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